sexta-feira, fevereiro 08, 2008

Um cubo com 24 olhos

Isto que estamos a ver aqui são olhos, nada mais nada menos do que seis. A marca preta horizontal representa um décimo de milímetro, logo são olhos minúsculos. Os quatro pontinhos mais pequenos são pequenas fossas com pigmentos e células fotorreceptoras no centro, mas os dois maiorzinhos possuem retinas e lentes. O dono destes olhos tem mais 3 conjuntos iguais a este. Ora que criatura é esta que possui 24 olhos? Não se trata de um peixe, nem de um cefalópode. Pertencem a um animal que tendemos a considerar muito mais primitivo: estes são os olhos de uma cubomedusa, da espécie Tripedalia cystophora, um animal com apenas 10 milímetros que vive nos mares das Caraíbas. As cubomedusas possuem o sino em forma de cubo, e não arredondado, mas fora isso são gelatinosas, quase transparentes, com tentáculos de células urticantes, como a maioria das alforrecas. Só que em vez de uma vida de predador à deriva, os olhos das cubomedusas permitem-lhes ter uma vida de nadadores activos. O mais espantoso é que o fazem com um sistema nervoso muito rudimentar, sem um verdadeiro cérebro. [... ler mais]

O artigo que descreve estes olhos surpreendentes é de Dan Nilsson e colegas e foi publicado na revista Nature (ref1). Numa tradução livre do resumo:

Os cubozoários, ou cubomedusas, diferem de todos os outros cnidários por possuirem um comportamento activo, semelhante ao dos peixes, e um aparelho sensorial elaborado. Cada um dos quatro lados do animal carrega um pedúnculo sensorial (o ropálio), no qual evoluiu um agregado bizarro de diferentes olhos. Sabe-se há muito tempo que dois dos olhos em cada ropálio se assemelham aos olhos de animais superiores, mas a função e desempenho desses olhos permeneceram desconhecidos. Mostramos aqui que as lentes das cubomedusas contêm um gradiente finamente ajustado do indíce de refracção produzindo uma imagem livre de aberração. Isto demonstra que mesmo animais simples foram capazes de evoluir a óptica visual sofisticada previamente conhecida apenas em alguns dos filos bilatérios complexos.

Ou seja em cada face as cubomedusas possuem dois olhos com lentes tão "sofisticadas" como as dos cefalópodes e dos peixes. O olho inferior, mas não o superior, possui mesmo uma pupila móvel:

Na imagem da esquerda o olho foi exposto a níveis correspondented a luz solar directa durante 10 minutos, na da direita a escuridão total durante 10 minutos. A pupila demora cerca de 1 minuto a ajustar-se.

Contudo, há algo de supreendente nestes olhos: as cubomedusas poderiam produzir imagens com um detalhe semelhante às dos peixes, mas não o fazem.
Contudo, a posição da retina não coincide com a da imagem nítida, levando a campos de recepção muito amplos e complexos nos fotorreceptores individuais.

O plano focal da lente nestes animais fica muito atrás da retina, ou seja, a imagem obtida pelo animal é fortemente desfocada.
Argumentamos que isto pode ser útil em olhos que sirvam uma única tarefa visual. Estas descobertas indicam que o conseguir campos de recepção complexos pode ter sido uma das forças originais por detrás da evolução das lentes animais.

Esta frase pode parecer algo obscura, mas não é tanto assim. O que se passa é que as cubomedusas são um pouco limitadas ao nível do processamento neuronal. Nos vertebrados, coisas como reconhecimento de estruturas, e movimentos de grande escala, são interpetados por redes neuronais, mas as cubomedusas não possuem essa opção. O que as cubomedusas poderão estar a fazer com a desfocagem é remover as altas frequências espaciais no seu campo de visão (isto é as estruturas pequenas). Esta espécie de filtro permitiria às cubomedusas verem as estruturas estacionárias no seu ambiente, e ao mesmo tempo tornar invisíveis o plâncton e pequenas partículas suspensas na água. Os olhos com lente seriam assim úteis para que as cubomedusas possam evitar obstáculos nos ambientes costeiros onde vivem. Em vez de obter a melhor imagem possível, e delegar as várias tarefas de processamento dessa imagem ao cérebro, as cubomedusas delegam diferentes tarefas visuais aos seus quatro tipos diferentes de olhos.

Este pode ter sido um passo importante na evolução dos olhos na generalidade dos animais. A curiosidade neste tipo de visão é que uma grande acuidade visual não é necessariamente um requisito: para algumas tarefas uma imagem esborratada funciona melhor. As cubomedusas mostram que lentes, em tudo adequadas a fornecerem grande detalhe e sensibilidade, poderão não ter evoluído exactamente para proporcionar esse detalhe e sensibilidade.

Claro que os cientistas planearam experiências para testar as capacidades visuais das cubomedusas, observando como evitam os obstáculos. Falarei nisso numa próxima contribuição. Já agora, um aviso. Se virem uma cubomedusa não pensem em procurar-lhe os olhos sem terem muito cuidado. O veneno destas criaturas é doloroso e pode mesmo ser mortal.

Referências
(ref1) Dan-E. Nilsson, Lars Gislén, Melissa M. Coates, Charlotta Skogh and Anders Garm (2005). Advanced optics in a jellyfish eye. Nature 435, 201-205. doi: 10.1038/nature03484.


(obrigado pela correcção Rodrigo.)

1 comentários:

Anónimo disse...

Parabéns pelo blog. Mas voce me deixou confuso no início deste texto. Tanto que fui ler o artigo original. Não são oito olhos na foto, e sim seis olhos. São 4 ropálios com 6 olhos. 6x4=24

Abraço e espero que continue com esse blog!