terça-feira, fevereiro 12, 2008

Proporcionado com precisão, ou o efeito das ondas na genitália das cracas

A 12 de Fevereiro é o dia em que se celebra o nascimento de Charles Darwin (1809-1882). Resolvi por isso falar de um artigo que cita um dos primeiros trabalhos de Darwin. Não, não se trata da famosa teoria da evolução pela selecção natural. Vou falar, isso sim, de pornografia animal. É que existe uma monografia de 1854, escrita por Darwin com o título: A Monograph of the Sub-class Cirripedia, with figures of all the species. Os cirrípedes são o grupo de crustáceos que inclui as cracas e percebes. Ora, sabe-se desde os tempos do senhor Darwin que a humilde craca se destaca entre todos os animais pelas dimensões relativas da genitália que ostenta, capazes de envergonhar mesmo o pato de lago argentino. Estamos a falar de um orgão intromitente oito vezes maior que o corpo da criatura. Embora sejam hermafroditas, e se possam fecundar a si mesmas, as cracas raramente o fazem, preferem investigar as cercanias. Sendo animais sedentários, o alcance amoroso das cracas é limitado pelo tamanho do seu orgão intromitente, pois teoricamente o número de potenciais parceiros cresce com o quadrado do comprimento do apêndice corporal em questão. Só que há limite para o alcance desse processo de investigação, que tem a ver com a natureza turbulenta do ambiente vizinho. Dependendo de onde as cracas vivem, a mesma espécie pode estar sujeita a velocidades da água varrendo três ordens de grandeza. Mas as cracas não se atrapalham, é tudo uma questão de calibrar as dimensões e a forma consoante o ambiente onde se encontram. [... ler mais]

Os cientistas modernos que continuam na senda do trabalho pioneiro desenvolvido por Charles Darwin, há mais de 150 anos, são Christopher Neufeld e Richard Palmer, tendo publicado os novos resultados na revista Proceedings of the Royal Society (ref1). Numa tradução livre do resumo:

Para o seu tamanho, as cracas possuem o pénis mais longo do reino animal (até oito vezes o comprimento do seu corpo). Contudo, como um dos poucos animais sésseis a copular, enfrentam um compromisso entre conseguir atingir mais parceiros ou controlar pénis cada vez maiores num fluxo turbulento. Observámos que os pénis de cracas da zona de marés (Balanus glandula) em zonas expostas à rebentação eram menores, mais encorpados que, e duas vezes mais massivos para o seu comprimento que, os de baías protegidas vizinhas. Para além disso, a variação na forma do pénis estava fortemente correlacionada com a velocidade máxima de rebentamento das ondas e, em todas as costas, cracas maiores tinham pénis mais encorpados de forma desproporcionada.

Eis aqui o aspecto do orgão intromitente da Balanus glandula numa zona de águas calmas. Esta espécie é um pouco mais modesta do que a craca que detém o recorde, mas mesmo assim trata-se de uma estrutura bastante longa, e algo fina.

Notem o aspecto bastante mais robusto, e um pouco mais curto, do orgão num animal da mesma espécie e de tamanho semelhante, mas que vive em águas agitadas:

Já agora, a escala são 2 milímetros. Será que as variações se devem a questões genéticas, ligadas a efeitos de selecção local? Pelos vistos não, o animal pode modificar a estrutura consoante o ambiente:
Finalmente, experiências de campo confirmaram que muita dessa variação era devida a plasticidade fenotípica: cracas transferidas para uma zona exposta a rebentação produziram pénis mais largos e dramaticamente mais curtos do que congéneres transferidos para um local protegido. Devido ao provável compromisso entre o comprimento de pénis e à capacidade de funcionar em correntes, e devido às condições sujeitas a mudanças constantes dos litorais rochosos, as cracas das zonas de maré parecem ter adquirido a capacidade de mudar o tamanho e forma dos seus pénis para melhor servirem as condições hidrodinâmicas locais. Esta dramática plasticidade na forma da genitália é uma valiosa chamada de atenção para o facto de que factores para lá dos que habitualmente guiam a diversificação genital -- escolha das fêmeas, conflito sexual e competição entre machos -- podem influenciar a forma da genitália.

Este trabalho cita Charles Darwin, em particular na tabela onde compara o tamanho relativo dos orgãos intromitentes das várias criaturas. A Balanus glandula é na verdade apenas o terceiro da tabela, com um comprimento relativo de 3.6, e outras duas cracas de géneros diferentes passam-lhe à frente, em particular a Cryptophialus minutus com o tal factor de oito. O pato de lago argentino Oxyura vittata com um factor de um aparece em quinto, logo atrás do escaravelho Aleochara tristis, com um factor de dois. Em décimo primeiro lugar aparece uma outra criatura nossa velha conhecida, os machos das aranhas do género Tidarren, cujo orgão intromitente é bastante mais modesto, apenas metade do comprimento do corpo.


Ficha técnica
Retrato de Darwin pintado por George Richmond. Imagem obtida através da Wikimedia Commons.

Referências
(ref1) Christopher J. Neufeld and A. Richard Palmer (2008). Precisely proportioned: intertidal barnacles alter penis form to suit coastal wave action. Proc. R. Soc. B. doi:10.1098/rspb.2007.1760

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