sexta-feira, fevereiro 15, 2008

O prazer de agredir os outros

Há milhentas publicações científicas, e uma delas é a Psychopharmacology. Trata-se de uma publicação um pouco difícil, cheia de jargão e pouco acessível aos não especialistas. Confesso que tenho dificuldades nas maioria dos artigos. Uma quantidade apreciável dos escritos da Psychopharmacology tem como protagonistas roedores semelhantes aos da figura, os ratinhos da espécie Mus musculus. Nessa revista encontra-se muita coisa relativa a ratos e drogas, desde álcool a cafeína, passando por cocaína, mescalina, anfetaminas, e outras que tais. Tudo o que tenha a ver com o estímulo de centros de prazer é testado com os pobres ratos. Esses estímulos ditos positivos, como comida, drogas, ou sexo, estão ligados com um aumento dos níveis de dopamina em certas áreas do cérebro. Ora, nos artigos aceites para publicação futura na Psychopharmacology, há um que trata do facto de aparentemente muitos ratos encararem o poder dar tareia noutros ratos como uma recompensa. [... ler mais]

O artigo que estuda este aspecto da agressividade dos ratos é da autoria de Maria H. Couppis e Craig H. Kennedy, e como referi foi publicado na revista Psychopharmacology (ref1). Os autores escolheram um conjunto de ratos albinos machos, que designam por "machos residentes," e que foram colocados junto a uma fêmea quando tinham 28 dias. Ao mesmo tempo, um grupo de machos, ditos "machos intrusos," foram colocados em gaiolas, em grupos de cinco indivíduos. Quando os "machos residentes" atingiram uma idade entre 68 e 75 dias, os cientistas fizeram-lhes uma operação, introduzindo-lhes uma cânula para poderem administrar-lhes drogas em regiões específicas do cérebro, no decurso da experiência. Após uma a duas semanas, para os ratos recuperarem da operação, começou a experiência propriamente dita. O primeiro passo era a selecção de comportamento agressivo.

A agressividade foi aferida introduzindo um macho intruso na gaiola de um macho residente, depois de retirar a fêmea. A selecção da agressividade envolveu três encontros de 10 minutos entre o residente e o intruso, separados por três dias. Se um residente mostrava agressividade (mordendo ou batendo) em duas ou mais sessões de teste, era incluído na análise farmacológica subsequente (87% dos ratos eram agressivos).

Os cientistas colocaram então à disposição dos ratos uma espécie de alavanca, que podiam empurrar com o focinho. Depois de um período de treino de 2 a três semanas os ratos aprenderam que empurrando a alavanca era introduzido na gaiola um dos ratos intrusos durante cerca de 6 segundos. Os cientistas registaram então a frequência com que os ratos carregavam nas alavancas, e gravaram o festival de pancadaria que se seguia. Deve notar-se que os ratos não eram obrigados a tocar nas alavancas, faziam-no porque queriam bater nos intrusos.

Depois de terem algumas destas sessões, os cientistas iniciaram então a segunda fase da experiência: lançaram no cérebro dos ratos nos substâncias inibidoras da dopamina, e observaram o que sucedia. Estas substâncias retiravam a sensação de prazer associada ao estímulo, caso existisse.

O fim dos ratos não foi famoso:
Depois de completarem os testes de comportamento os ratos foram anestesiados profundamente com pentorbital a 800 mg/kg, e 4% paraformaldeído enviado transcardialmente. Os cérebros foram removidos e crioprotegidos pela submersão durante a noite num fixativo de 30% e 70% paraformaldeído.

Os tecidos do cérebro foram então cortados em tiras finas, e analisados. Tudo isto era para ver se a cânula que admistrava as drogas inibidoras no cérebro dos ratos estava colocada no sítio correcto. Os cientistas verificaram então que os ratos que tinha a cânula no local conveniente tinham tido uma redução muito significativa no comportamento de carregar na alavanca depois de receberem as substâncias inibidoras de dopamina. Os ratos que tinham a cânula num local fora da região dos receptores de dopamina não mostraram diferença na frequência do empurrar da alavanca antes e depois de receberem os inibidores.

Este estudo é mais complicado do que parece, pois outros estudos julgavam ter demonstrado algo do género, mas depois verificou-se que a redução no comportamento agressivo era devido a redução no capacidade motora dos ratos. Esse não foi o caso neste estudo, pois o uso de cânulas no cérebro permitiu que se usassem doses muito pequenas de inibidores. Parece de facto provado que estes ratos gostavam de bater noutros ratos, e que encaravam isso como uma recompensa. Enfim, mais um ponto em que os ratos se assemelham aos seres humanos.

Ficha técnica
Fotografia cortesia de Seweryn Olkowicz via Wikimedia Commons.

Referências
(ref1) Maria H. Couppis & Craig H. Kennedy (2008). The rewarding effect of aggression is reduced by nucleus accumbens dopamine receptor antagonism in mice. Psychopharmacology. DOI 10.1007/s00213-007-1054-y.

1 comentários:

João Carlos disse...

Caio, os pobres ratos não têm esportes para canalizar suas agressividades. Não são capazes de apreciar uma bela partida de futebol...

Alguma maneira de descarregar a agressividade eles teriam que ter. Afinal, a vida de rato de laboratório não deve ser lá tão emocionante...