quarta-feira, fevereiro 13, 2008

A corrida de obstáculos da cubomedusa

As alforrecas mais comuns pertencem a um grupo de animais chamado cifozoários, ou cifomedusas, que são aparentadas a um outro grupo de animais chamados cubozoários, ou cubomedusas. Embora à primeira vista muito semelhantes, os dois grupos de criaturas apresentam contudo diferenças importantes. O comportamento das cubomedusas faz de certa forma lembrar o dos peixes. Em vez de andarem simplesmente à deriva, as cubomedusas são capazes de nadar rapidamente, seguindo uma dada direcção, embora possam também fazer rápidas e espectaculares inversões de marcha. Muitas espécies de cubomedusas vivem em ambientes, como florestas de algas e manguezais, que são perigosos para os cifozoários. A diferença é que as cubomedusas conseguem manobrar entre os obstáculos que encontram nesses meios, um comportamento que tudo indica ser guiado visualmente. Muitas espécies de cifomedusas possuem olhos, embora se trate de estruturas muito simples. As coisas são diferentes com as cubomedusas, que possuem quatro estruturas chamadas ropálios, cada uma com seis olhos de quatro tipos diferentes. Dois dos olhos em cada ropálio possuem lentes e retinas semelhantes às dos peixes e cefalópodes, e um deles possui mesmo uma pupila móvel. A estrutura desses olhos foi discutida numa contribuição anterior, relativa à espécie Tripedalia cystophora, que se mostra na imagem. Notem dois dos ropálios, aqueles pontinhos pretos no sino da cubomedusa. Estudando animais destes em laboratório, os cientistas foram capazes de mostrar que as manobras das cubomedusas são de facto guiadas visualmente. [... ler mais]

Anders Garm e colegas descrevem a experiência num artigo na revista Journal of Experimental Biology (ref1). Numa tradução livre do resumo:

As cubomedusas possuem um impressionante total de 24 olhos de quatro tipos morfológicos diferentes. Dois desses olhos, chamados os olhos de lente superior e inferior, são olhos de tipo câmara com lentes esféricas semelhantes às dos peixes. Comparados com outros cnidários, as cubomedusas possuem também um reportório comportamental elaborado, que parece ser predominantemente guiado pela visão. Contudo o fototropismo positivo é o único comportamento até agora descrito que parece estar correlacionado com os olhos.

O fototropismo positivo é um comportamento que leva as criaturas a movimentarem-se de acordo com o gradiente luminoso aproximando-se da fonte de luz.
Explorámos a resposta evitatória de obstáculos na espécia das Caraíbas Tripedalia cystophora e na espécie australiana Chiropsella bronzie numa câmara de fluxo. Os nossos resultados mostram que o evitar dos obstáculo é guiado visualmente. O comportamento evitatório é despoletado quando o obstáculo ocupa um certo ângulo no campo visual. Os resultados não permitem conclusões sobre se a visão a cores está envolvida mas a intensidade da resposta tem uma tendência a seguir o contraste na intensidade entre o obstáculo e a vizinhança (paredes da câmara). Na câmara de fluxo a Tripedalia cystophora mostrou uma resposta evitatória mais forte do que a Chiropsella bronzie pois teve menos contacto com os obstáculos. Isto parece seguir a diferença nos seus habitats.

A Tripedalia cystophora vive em zonas de manguezais, onde os obstáculos são muito mais finos do que as pedras e árvores tombadas dos locais onde a Chiropsella bronzie vive. O artigo é acompanhado de dois filmes, ambos muito interessantes. Neste filme, uma cubomedusa da espécie Chiropsella bronzie é colocada num aquário com obstáculos escuros (de cor avermelhada). Notem no final do filme a espectacular inversão de marcha da cubomedusa.

Neste outro filme os obstáculos são transparentes abaixo de água, embora escuros acima de água. Dos tais olhos com lente esférica, o superior serve para ver acima de água e inferior abaixo. Ora a medusa fica sistematicamente presa no obstáculo no canto inferior direito. Isto é evidência de duas coisas: (1) a medusa detecta de facto os obstáculos visualmente através do contraste, e não através de um qualquer outro sentido, e (2) as manobras são controladas pelo olho inferior. Isto significa que o olho superior possui uma qualquer outra tarefa, talvez manter o animal próximo da linha de costa.

Mais medusas amanhã. Para celebrar o dia de São Valentim falarei do namoro das medusas.

Referências
(ref1) A. Garm, M. O'Connor, L. Parkefelt and D.-E. Nilsson (2007). Visually guided obstacle avoidance in the box jellyfish Tripedalia cystophora and Chiropsella bronzie. Journal of Experimental Biology 210, 3616-3623 (2007). doi: 10.1242/jeb.004044.

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